quarta-feira, 25 de julho de 2012

O amor de Maria

Maria era filha de uma índia com um negro.
Nunca fora propriamente bonita, desde pequena.
Ao menos era o que toda a gente lhe dizia.
Nas brincadeiras de rua, alcunharam-na de "bugra".
Pobre de Maria, tanto afirmaram, que ela se cria feia.
Ainda menina, viera da Bahia para São Paulo.
Deixara sua terra tão querida, oito irmãos, pai e mãe,
Para trabalhar em casa de família na cidade grande.
Achou estranho quando a patroa, sem afetar a fisionomia,
Pediu-lhe que tomasse banho todos os dias antes do trabalho.
Certa feita, ouviu ela dizer ao marido que gente de cor "fedia".
Sentiu-se humilhada, mas, como Maria era muito humilde,
Abaixou a cabeça e fez-se como que de desentendida.
O problema é que, no fundo, não conseguia não lhe dar razão.
Ora, todo mundo agia assim, como se ela fosse repulsiva.
Na novela, nos filmes, nas séries, indígenas não havia.
Os negros recebiam apenas papeis de segunda categoria.
Quando jovem, Maria teve alguns casos, nenhum sério.
Homem nenhum lhe parecia valer a pena.

Maria desconhecia o amor ideal, e envelhecer sozinha,
Sem companhia, eis o que considerava sua desdita.
Mas seu último caso trouxe à luz um rebento, lindo como o dia.
E Maria não conseguia entender como isto seria possível.
Fruto de sertanejo migrante misturado à sangue indígena,
O menino, de olhos negros e tez retinta, resplandecia.
E Maria, agradecida, era só sorrisos e alegria.

domingo, 22 de julho de 2012

Ao sertanejo

Tem o semblante pesaroso e a tez vincada.
A camisa, mal-ajambrada, é um andrajo.
Leva rota uma douta figura de eleições passadas.
Na terra batida, hirta e seca, não nasce nada.
Capina a pedra dura, lavra o mísero e ocre chão.
Contra a enxada, a carne viva que a madeira lanha.
Na cabeça inerte, sonhos vem e vão, vãos.
De carapinha esgarçada, a mulher labuta na casa de taipa.
Revezando-se entre a panela e os filhos.
Tosse o dia todo, a pobre, está tísica.
Tem filhos, que não leem, não escrevem e não brincam.
Trabalham, desde cedo, sem tempo para ser criança.
Logo que andam, vão parar na diária lida.
O sol inclemente, pouco a pouco o rosto sulca.
Crepita o chão, tisna a pele, crispa a vida.
O casebre guarda um único solitário cômodo.
No traçado de graveto e argila, alegria pouca é muita.
Natal, páscoa, independência, é tudo o mesmo dia.
O açude secou, a macilenta vaca morreu.
A macaxeira não cresceu, e o próprio deus deu adeus.
A vida é curta, a morte é certa, e a lágrima é pouca.
Na cova rasa, um corpo parco, e na mesa menos uma boca.
Deixa sete filhos, a esposa, uma cabra e um cachorro.